ALEX ATALA – O CHEF QUE NADA PERDE E TUDO TRANSFORMA

ALEX ATALA – O CHEF QUE NADA PERDE E TUDO TRANSFORMA

O que faz com que um adolescente rebelde, punk rock e com uma curta carreira de DJ se transforme numa super-estrela mundial? A resposta “música” seria, sem dúvida, a mais plausível mas, quando esse adolescente responde pelo nome de Milad Alexandre Mac Atala, o caso muda drasticamente de figura.

Se é verdade que a música terá sido uma das suas primeiras formas de expressão artística, foi o curso de cozinha “quase acidental” em que se inscreveu na Bélgica, quando confrontado com a necessidade de arranjar um visto de permanência neste país, que revolucionou o futuro do brasileiro Alex Atala. E, consequentemente, também o futuro da gastronomia mundial. Em seis meses já estagiava na cozinha do restaurante Bruneau, em Bruxelas, na altura com três estrelas Michelin. Os dados estavam lançados…

Actualmente, com quase 50 anos, tornou-se num dos chefs mais aclamados à escala mundial, conquistando prémios e distinções a uma velocidade estonteante – a nível pessoal, é o chef brasileiro com mais estrelas Michelin (uma pelo restaurante Dalva e Dito e duas pelo D.O.M.) e figura entre as 100 pessoas mais influentes do mundo segundo a revista Time.

Conhecido pela sua ambição e vontade incessante de se superar, Atala conta já com quatro restaurantes (aos quais se junta ainda o Bar Riviera), todos na cidade de São Paulo: o D.O.M., o Dalva e Dito, o Açougue Central e o recém-inaugurado Bio – Comer Saudável.

Em termos de distinções, o espaço mais falado é de longe o D.O.M. Em 2006, foi incluído na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo, publicada pela inglesa Restaurant Magazine. Desde então, tem ocupado sempre lugares de destaque, tendo já somado 12 anos de presença no prémio, sempre com invejáveis resultados. Este ano, conquistou o 16º lugar mas já esteve uns modestos 5 anos consecutivos no top 10.

Já no que se refere à inovação, é no restaurante Bio que todas as atenções se têm vindo a centrar. Além de se tratar do seu maior espaço (com 600 m2 e dois andares), o mote da comida saudável e orgânica, bem como o desafio de combater o desperdício alimentar são o que mais têm dado que falar. Afinal, é sabido que todos os restaurantes se debatem diariamente com o acumular de desperdício alimentar. O que nos leva à pergunta mais inevitável: mas de que forma pretende Alex Atala revolucionar esta complexa realidade?

Para percebermos esta disruptiva estratégia traçada pelo chef, temos que voltar um pouco atrás e lembrar que a sua fama mundial foi obtida justamente pelo destaque que impôs à matéria-prima local. De facto, após o arranque da carreira pela Europa, Atala percebeu que não havia fórmula secreta para chegar depressa e bem às bocas do mundo. O único caminho passava por se aplicar com afinco, em esmerar a técnica, trabalhar sem parar e procurar sempre a perfeição. Em termos de diferenciação, foi também na Europa que constatou que, comparativamente com as culturas culinárias do Velho Continente, a cozinha brasileira pecava por não valorizar os seus ingredientes. E com uma biodiversidade tão exaustiva como a brasileira, tornou-se quase forçosa a opção de estudar e aprofundar as possibilidades gastronómicas regionais – especialmente as amazónicas mas não só – e conjugá-las com os conhecimentos e técnica clássicos entretanto adquiridos.

Ciente da revolução que iniciou, desde cedo alertou que “a gastronomia brasileira é um sonho viável”. Mas é peremptório quando adverte ser necessário instigar e inspirar uma nova geração de chefs que assegurem a cozinha evolutiva em que tanto acredita. Recusa a ideia de ficar “sua” a nova cozinha brasileira, e esforça-se diariamente para a fazer de outros chefs e, em última instância, do próprio povo.

E, seguindo esta lógica, revela que além de querer ser o melhor chef possível, valoriza igualmente o seu papel enquanto cidadão responsável – nas suas próprias palavras: “é preciso cozinhar e comer como um cidadão”. É por este motivo que, no seu dia-a-dia, procura os pequenos produtores e assume preferir pagar caro os ingredientes que entram nas suas cozinhas mas ter 100% de certeza que consegue os melhores produtos possíveis, evitando poupar em custos que no fim comprometam a qualidade das suas criações. Assim, são já várias as iniciativas em que se envolve para valorizar os ingredientes brasileiros, tendo estabelecido parcerias e até sociedades com produtores que garantem a continuidade das matérias-primas mais genuínas do Brasil. Entre estas iniciativas destaca-se a linha de produtos Retrato do Gosto, criada para desenvolver marcas de alimentos que privilegiam o consumo consciente. Entre os seus projectos contam-se, entre outros, o lançamento de uma variedade de mini-arroz criada em parceria com o rizicultor Francisco Ruzene.

Lidera ainda o Instituto Atá, fundado em 2013, que reúne uma equipa multidisciplinar (chefs, empresários, publicitários, fotógrafos, um antropólogo e um jornalista) e que tem como objectivo “aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir e o produzir da Natureza”.

E é exactamente nesta linha de raciocínio que surge, então, o conceito do seu mais novo restaurante, Bio – Comer Saudável. Neste espaço, Atala compromete-se a fazer da fruta e vegetais as estrelas principais (ainda que não descarte a carne, peixe ou sobremesas sempre com o foco na cultura gastronómica local) e aposta declaradamente em produtos orgânicos, de extrema qualidade. A missão última é reduzir o desperdício a zero, o que pretende conseguir através do aproveitamento de tudo – raízes, cascas, talos e folhas. É a velha máxima de Lavoisier do “nada se perde, tudo se transforma” a dominar uma cozinha que se quer mais e mais inovadora mas sempre consciente e ecológica.

E, como em tudo na carreira do chef Alex Atala, esta é só (mais) uma porta para a mudança de paradigma que pretende estimular e divulgar. Sem fugir ao perfil pró-activo por todos reconhecido, tem já idealizado para janeiro de 2018 o seminário “FRUTO | As possibilidades de alimentar o mundo”, organizado em conjunto com o produtor cultural Felipe Ribenboim, e em parceria com o já referido Instituto Atá. No centro do debate, que vai reunir 30 das figuras mundiais mais destacadas nos ramos da sustentabilidade, ecologia, ciência, gastronomia e ainda alguns representantes industriais, estará a questão “Como alimentar um planeta inteiro?”. Numa altura em que a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a população mundial, agora com cerca de 7,6 mil milhões, deverá chegar a um total de 8,6 mil milhões em 2030, o desafio do colóquio passa por averiguar como será possível garantir alimentação de qualidade para todos. O seminário, de acordo com o comunicado publicado pela organização, conta ainda servir de ponto de partida para a elaboração de “um relatório internacional que pretende consolidar o Brasil como principal celeiro dessa discussão. Conhecer um alimento é desvendar os seus ingredientes, que carregam consigo uma história, um processo biológico, relações culturais e sociais. Com esse pensamento, os temas centrais que o evento abordará serão divididos em três grandes eixos: culturais, biológicos e sociais”.

E a seguir? O que mais virá? Por enquanto não podemos antecipar quais os contributos que Alex Atala mais trará à gastronomia mundial. Porém, e baseados no fascinante caminho já percorrido, acalentamos a esperança de que a sua filosofia perante a cozinha e a alimentação sirva de base para uma nova consciência alimentar que sabemos ser cada vez mais urgente disseminar.

O QUE É QUE A AMAZÓNIA TEM??
Entre os ingredientes (re)descobertos pelo chef Alex Atala, muitos eram até há pouco tempo desconhecidos dos próprios brasileiros ou tão extravagantes e exóticos que ninguém ousava sequer tentar cozinhar. Quer conhecer alguns destes fenómenos para, quem sabe, um dia mais tarde experimentar?
PRIPRIOCA

É uma raiz típica da região amazónica, parente do junco e do papiro. Costumava ser utilizada apenas pela indústria cosmética. Graças ao contributo de Atala, hoje esta raiz aromática é usada em pratos doces e salgados, enquanto a sua produção se mantém entre pequenas comunidades da região amazónica.

PALMITO PUPUNHA

A pupunha é uma espécie de palmito cultivado, contrariando a prática irresponsável de extracção a partir de espécies nativas que têm resultado no aumento do risco de extinção. Nas cozinhas com assinatura de Alex Atala, apenas é utilizada a pupunha, que provém de uma produção sustentável e certificada, assegurada por uma fazenda de São Paulo.

FORMIGAS

Parte integrante da tradição alimentar de algumas etnias indígenas da região amazónica (por exemplo, os baniwas), é um ingrediente adoptado pelo chef Alex Atala e continua a surpreender chefs e críticos gastronómicos de vários países.

TUCUPI

Líquido amarelado extraído de um tipo específico de mandioca brava prensada. Considerado venenoso, deve ser fervido por, pelo menos, 20 minutos para que o ácido cianídrico contido nas raízes se volatize. Típico da região amazónica, é usado para temperar peixes e carnes, especialmente pato.

JAMBU

O jambu (Spilanthes oleracea) é uma erva típica da região amazónica, conhecida por causar uma sensação eléctrica ou dormência na língua quando mastigada.

PEIXE FILHOTE

Peixe de couro, de coloração escura, cabeça grande e olhos pequenos. Pode pesar 300 kg e medir cerca de 2 m de comprimento, mas actualmente os exemplares capturados pesam abaixo de 10 kg.

BELDROEGA

A beldroega (Portulaca oleracea), é considerada uma planta refrescante e com funções medicinais, por causa dos seus minerais e vitaminas. Regista também grandes quantidades de ácido salicílico.

BARU

De sabor semelhante ao amendoim e da castanha de caju, mas com mais intensidade como se a castanha tivesse sido um pouco mais torrada. É rico em proteínas, fibras, minerais, além dos ácidos graxos oleico (ómega-9) e linoleico (ómega-6).

CANJIQUINHA

Também conhecida como milho branco, a canjiquinha é uma variedade de milho bastante difundida no Brasil, especialmente para a produção de doces (como a canjica ou mungunzá) e como acompanhamento para carnes e ensopados.

TAPIOCA

Produto derivado da mandioca descascada, triturada e drenada para a obtenção de uma farinha granulada. Omnipresente na cultura brasileira, a tapioca é a base de vários pratos, como pudins, bolos, mingaus e beiju, especialidade indígena.