As histórias de um rótulo: Pedro A.H. Paixão

As histórias de um rótulo: Pedro A.H. Paixão

Desde 1985 que convidamos um artista português para desenhar os rótulos do Esporão Reserva e do Private Selection. Este ano, reencontrámos um amigo de longa data e um artista que muito admiramos, Pedro A.H. Paixão, e convidámo-lo para ser o autor das mais recentes colheitas.

Pedro nasceu no Lobito, Angola, em 1971, e já correu o mundo – viveu em Lisboa, Chicago, Veneza, Porto e Milão. Doutorado em Filosofia e mestre em Belas Artes, é hoje um reconhecido artista plástico e editor. Trabalha com desenho, vídeo, slides e teoria. Em Portugal, é representado pela Galeria 111, em Lisboa, onde expõe os seus trabalhos. É investigador do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto e dirige uma colecção de ensaios denominada “Disciplina sem nome”, para a editora Documenta, em Lisboa.

Desde 2007 que tem vindo a desenvolver um amplo ciclo gráfico de trabalhos a vermelho, encarnado ou escarlate. Um trabalho que tem sido mostrado ocasionalmente e que pode ser em parte visto numa exposição a decorrer no Museu do Dinheiro, em Lisboa, até 4 de Junho.

Para conhecermos melhor o seu processo criativo e as motivações que o levaram a aceitar o desafio de desenhar os rótulos dos nossos vinhos, viajámos até Milão, onde Pedro vive com a sua família.

Fomos recebidos na sua “gruta” – como lhe chama – que é também o seu atelier, em sua casa. O espaço onde passa os dias e cria é um lugar pequeno à vista de quem passa, mas um crescente mundo para quem lá permanece. Os livros que forram as quatro caóticas paredes são pequenas ilhas de memórias e os retratos espalhados nas estantes companheiros de conversa. “Tudo o que aqui está foi acrescentado aos poucos, passo a passo”. Descobrimos as suas crenças, regras e hábitos. De chinelos, movimenta-se naquele pequeno lugar influenciado pelos raios de luz que entram pela janela a dar as horas. Durante a manhã, Pedro aproveita a luz junto à janela ou os raios que, com o passar do tempo, percorrem a enorme superfície do estirador onde vemos os desenhos ainda por terminar. À noite, o serão passa-se à média luz no cadeirão do atelier.

À medida que o tempo corre e que o acompanhamos, esquecemo-nos de onde estamos. O Pedro vive em Milão mas poderia viver em qualquer parte do mundo. Um dos motivos pelos quais vive nesta cidade é o quadro “Cena in Emmaus” de Caravaggio, exposto na Pinacoteca di Brera, que visita pontualmente.

Conhecemos o Pedro num caos que é seu, onde tudo funciona em harmonia. Na verdade, quase que nos sentimos a mais ali. Cada objecto é uma extensão de si próprio, das suas memórias e dos seus sentidos.

O lápis de cor escarlate acompanha a sua mão, vai desenhando criaturas e personagens que, à medida que vão ganhando forma, ganham também voz, como se tivessem algo para nos dizer. A densidade com que mergulha na procura de pensamento sensível é reflexo em tudo o que faz. As suas obras vivem dessa densidade, da complexidade, das histórias e, principalmente, do tempo. Tal e qual como os vinhos. Cheios de tudo isto.