Joanna Hecker veio dos Estados Unidos a Lisboa de passagem e foi-se deixando ficar. Com Ricardo Lopes, há dois anos que levam música do mundo às nossas salas de estar.
Lisbon Living Room Sessions é um projecto singular e intimista de que o Esporão é parceiro deste o primeiro momento.
Em entrevista, Joanna Hecker conta-nos como tudo começou e recorda algumas histórias.
As Lisbon Living Room Sessions começaram em 2015, mas a ideia surgiu ainda em 2014 durante um concerto. Querem contar-nos um bocadinho dessa história?
JOANNA: Em 2014, fui a Nova Iorque em trabalho e descobri que alguns amigos andavam a organizar concertos no apartamento deles em Brooklyn. Era uma ideia tão simples e inspiradora que, claro, que comecei logo a pensar que gostaria de fazer o mesmo. Na altura, o Ricardo já tinha imensos contactos no mundo da música em Lisboa e, assim que regressei, falámos sobre o assunto mas não avançámos com nada durante algum tempo. Até que uma noite, em Dezembro, fomos a um bar no Cais do Sodré ver um concerto de uma banda de flamenco. A música era maravilhosa mas, infelizmente, nós mal conseguíamos ouvir com o barulho de fundo: grandes grupos de amigos, pratos a bater, vozes muito altas, as pessoas a sair e a entrar. Foi frustrante por razões egoístas, porque nós não conseguimos desfrutar do concerto mas também pelos músicos que não estavam no ambiente certo. Não deve ser fácil, enquanto músicos, dar o máximo quando o público não está a tomar atenção. E foi aqui que a ideia cresceu e que tivemos o ‘click’ de que precisávamos para avançarmos com o projecto. Convidarmos músicos pelos quais temos interesse e pessoas que também tenham curiosidade em ouvi-los, não seria só bom para nós mas também para os músicos, que iriam actuar para pessoas curiosas, atentas e entusiasmadas por estarem ali.
Em Janeiro, a mesma banda de flamenco que vimos tocar naquela noite, os Diego El Gavi Band, estavam a dar um concerto em nossa casa – a primeira Lisbon Living Room Sessions. Não sabíamos o que esperar mas todos adoraram a experiência. Uma semana depois da primeira, já tínhamos convidado um artista para a próxima.
Durante estes dois anos já foram muitos os artistas que passaram pelo projecto. De vários lugares do mundo e de diferentes estilos musicais. Apesar da diversidade, parece-nos que o jazz é o estilo que mais se evidencia e que dá cara ao projecto. Estamos certos? De onde vem esta paixão pelo jazz?
JOANNA: Tanto eu como o Ricardo temos um “fraquinho” por jazz e ambos temos histórias e memórias onde o jazz está presente. Para mim, a paixão vem da minha infância e das minhas raízes. O meu pai costumava cantar-me, a mim e à minha irmã, músicas como “Summertime” e “Dream a Little Dream” para adormecermos. Músicos como Louis Armstrong, Duke Ellington, Miles Davis e Cole Porter sempre se ouviram lá em casa. Na adolescência, descobri um jazz mais complexo e instrumental e comecei a ouvir Thelonious Monk e Sonny Rollings. No caso do Ricardo, não sei ao certo como aconteceu mas desde cedo que começou a trabalhar com artistas e a produzir eventos dentro do género: Leiria Jazz Sessions (2003-2005), Lisboa Jazz Sessions (2005-2006), Lux Jazz Sessions (2007) e Lx Jazz Sessions em 2016. O nome do projecto nasceu desta ligação com o jazz. Quando andávamos à procura de um nome, recuámos ao passado e aos trabalhos anteriores do Ricardo e achámos que “sessions” podia ser uma espécie de continuidade ao caminho que ele já tinha iniciado nesta área.
Já invadiram muitas salas de estar, varandas e jardins. Numa cidade como Lisboa, não deve ser fácil escolher o local. Como decorre o processo de escolha?
JOANNA: Desde o início do projecto que vários amigos e seguidores começaram a oferecer as suas casas para as sessões. As pessoas começaram a passar a palavra entre amigos e colegas e aconteceu tudo muito naturalmente. Mais recentemente, começámos a aparecer na imprensa e às vezes recebemos convites de pessoas que leram artigos sobre nós num jornal ou numa revista e ficaram interessados em fazer parte. Esta iniciativa das pessoas que nos contactam, já nos proporcionou um série de maravilhosos concertos e já ganhámos também alguns amigos. Quando alguém oferece a sua casa, vamos sempre ver o espaço e fazemos uma estimativa de quantas pessoas lá caberiam e procuramos sentir a atmosfera do lugar – casual ou formal? Tradicional ou contemporâneo? Minimalista? Qual é o estilo e a energia? Mantemos o espaço em mente e, assim que se aproxima um concerto, tentamos fazer um bom casamento entre os músicos e o espaço. Por exemplo, um concerto de música clássica numa sala de estar mais formal ou o contraste do gospel num apartamento mais industrial.
Têm alguma história de bastidores que possam contar?
JOANNA: Todas as sessões são organizadas assim um bocadinho à última hora, até ao último minuto, e por isso temos sempre histórias que envolvem algum drama no backstage. Tentamos planear tudo ao longo do mês, entre as listas de artistas e casas que temos e, quando assim é, conseguimos ter uma ideia estruturada de como vai ser a próxima sessão. Como tenho um trabalho a tempo inteiro e o Ricardo tem vários projectos, as Living Room é uma coisa que fazemos por prazer e à parte dos nossos trabalhos e, por isso, às vezes acabamos por adiar os preparativos. No final do mês, temos dias de muita ansiedade quando temos um artista agendado e ainda não temos espaço escolhido. Tenho aprendido que se calhar isto é uma maneira muito portuguesa de fazer as coisas – deixar para a última hora. Em Nova Iorque isto não acontece. Mas mês após mês, tudo acaba por correr bem.
Em dois anos, devem ter sido muitos os momentos especiais vividos. Algum especial que destaquem? Algum artista ou lugar?
JOANNA: Há uma história que ilustra um dos melhores momentos que vivi neste projecto. Uma artista que convidámos para uma sessão recebeu a notícia de que estava muito doente uma semana antes do concerto. No dia do concerto, ela estava lá e foi um momento muito especial. Para ela, foi uma actuação muito intimista e emocional, quer fisicamente como psicologicamente. A proximidade com as pessoas fê-la sentir-se bem, rodeada de amor e boa energia. O facto de estarmos ali todos juntos a celebrar a música e a vida foi muito comovente e deu-lhe força para a etapa que estava a iniciar. Foi tudo tão bonito e inspirador e para mim representa tudo o que um projecto destes pode trazer às pessoas que fazem parte dele.
As Lisbon Living Room Sessions não são só música. E é aqui que nós entramos. Como surgiu esta parceria com o Esporão?
JOANNA: A nossa parceria com o Esporão é fundamental e é, também, fruto de todos os contactos e amigos que fizemos neste projecto. Na primeira Living Room levámos nós alguns vinhos. Como correu tão bem e começámos logo a planear a próxima, o Ricardo falou sobre a possibilidade de arranjarmos um parceiro. O Esporão mostrou-se muito entusiasmado com o projecto desde o início e tudo aconteceu muito naturalmente. Na segunda sessão já havia vinhos do Esporão e desde aí tem sido uma colaboração muito importante, não só com os produtos mas também a nível de fotografia e vídeo.
Com a ajuda do restaurante Aromas e Temperos, que nos fornece óptimos petiscos para fazer pairing com os vinhos, podemos dizer que as LLRS são também um evento gastronómico.
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Pedro Gomes Almeida©
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Pedro Gomes Almeida©
Para este novo ano vamos ter novidades nas Lisbon Living Room Sessions? O que nos podem contar sobre o futuro do projecto?
JOANNA: O futuro das Lisbon Living Room Sessions é um enigma e um paradoxo por causa da notoriedade que estamos a ganhar. Há pouco tempo alguém me perguntou como é que nós vamos conseguir gerir a fama que o projecto está a ganhar, como vamos conseguir acomodar cada vez mais gente – a resposta é que não vamos conseguir. A natureza deste projecto é ser uma coisa pequena e restrita, não pode crescer muito mais, pois perderia a sua essência e a verdadeira experiência – já não faria sentido estarmos em salas de estar, num ambiente intimista. Vamos continuar a ser “pequenos” e isto significa que cada vez mais, há mais pessoas a ficar de fora. E esta é, de longe, a parte que mais custa no que fazemos: custa-nos mandar as pessoas embora, dizer-lhes que não, mas não há como evitar. As nossas sessões estão a esgotar poucas horas depois de serem anunciadas. Independente deste facto que nos custa muito, é esta notoriedade que nos permite continuar e trazer novidades para 2017. Estamos a pensar fazer coisas diferentes, principalmente na forma como podemos expressar a nossa gratidão às pessoas que nos abrem as portas das suas casas aos artistas e a quem se junta a cada sessão. A base e a forma como o projecto flui vai-se manter – word-of-mouth e friend-to-friend. E tudo de coração. Não podíamos estar mais felizes.
Que artista sonhavam ter a tocar na sua sala de estar?
JOANNA: Conhecemos tantos artistas talentosos no mundo da música e das artes. Convidámos artistas portugueses e não só, internacionalmente conhecidos, pessoas que já actuaram em grandes auditórios, para enormes plateias. Os nossos sonhos são ambiciosos. Quem sabe?
Por exemplo, estamos a uma pessoa do Seu Jorge – ele é amigo de um amigo nosso. Quando esteve em Lisboa para tocar com a Ana Carolina, em Outubro, se o voo dele de regresso ao Brasil tivesse sido agendado um bocadinho mais tarde, poderíamos tê-lo recebido numa sessão. Nesse mês, recebemos a Sara Tavares, que foi fenomenal, por isso, não temos arrependimentos. Mas a partir do momento em que estamos ao nível do Seu Jorge, não há limites. As nossas expectativas estão elevadas.