Nascido a 1914, numa família de pintores, o caminho de João Hogan parecia estar já desenhado desde cedo. Primeiro, na arte de transformar madeira, como marceneiro, e, mais tarde, como pintor. Tornou-se num dos mais conhecidos e desconcertantes artistas do seu tempo, pela sua arte considerada por Júlio Pomar quase “orfã” da arte portuguesa, desligada de modas ou relações formais, desenraizada das tradições e do forte conceito de família.

A estranheza e o silêncio posto no modo de desabitar a paisagem e de nela projectar como que uma dimensão lunar, petrificada, cristalizando as formas de um lugar que parece não ser deste mundo mas que, no entanto, permanece como um espaço tangível, tornaram Hogan o inclassificável autor de uma obra vasta e solitária. De um singular lugar que cada um se habituou a reconhecer nas suas paisagens.

Bem lá atrás, na sua vasta e solitária obra, encontra-se a raiz desse sentimento. Afigura-se-nos na sua maior claridade, na sua mais profunda evidência, na pintura de nus da sua juventude ou nas paisagens (ainda de lembrança cézanneana) da mesma época, em que o modulado é sugerido pela simples justaposição das cores, pelos seus contrastes, pelo seu contacto extremo no fulgor de uma mancha que noutra se dissolve e que, assim se dissolvendo, com ela dissolve a linha e o desenho enquanto arquitectura estruturante.

Aqui se revela o quanto de sensualidade o pintor trouxe para a sua arte, nessa liberdade da imagem e da cor. É nessa raiz da terra, nesse “espaço tangível”, como o próprio artista lhe chamou, que se dimensionou o princípio da obra, isto é, um projecto. Algo que percorreu essa obra como o fio condutor de uma imensa coerência, que consistiu nessa fidelidade ao valor primeiro que nela se exaltou: o de um grande amor ao mundo.

Em 1986, João Hogan transportou para a paisagem alentejana um pouco deste seu universo, desta sua metafísica, que deram origem aos rótulos dos nossos Esporão Reserva Tinto e Branco.