A Força do Terroir

A Força do Terroir

Frank J. Prial, o célebre colunista do New York Times autor das famosas Wine Notes terá dito que “Começámos a beber vinho há cerca de seis mil anos atrás e a escrever sobre vinho possivelmente um ou dois anos depois”. O vinho tem ‘poderes mágicos’. Cria ligações fortíssimas entre pessoas e lugares, entre plantas e terra, entre aromas e sabores. O sentimento de pertença, de lugar – este é o segredo da força do terroir.

É necessário cruzar diferentes famílias de ciências para determinar, de uma vez por todas, se o terroir é de facto a expressão final da combinação de variáveis climáticas, biológicas e geológicas e das técnicas de gestão de solo, biodiversidade e água, ou um conceito algo vago, envolto em misticismo. Uma espécie de conto de fadas enológico.

Pense pequeno

Durante décadas, várias equipas de cientistas tentaram descobrir o que se escondia sob o misterioso conceito de terroir. Seria isto apenas uma fantasia elaborada dos enólogos franceses para aumentar o valor e prestígio dos seus vinhos? Ou um artefacto da tendência natural que os críticos teriam para se destacarem uns dos outros, através de capacidades quase extra-sensoriais, cujas descrições deixavam desde o apreciador leigo ao mais empertigado connaisseur absolutamente em delírio? O segredo era elusivo e por várias vezes, quando parecia estar desvendado o mistério, escapava-se por entre os dedos, deixando mais dúvidas do que certezas. Mas, aos poucos, avançava-se na direcção certa, na direcção microscópica da biodiversidade.

Há décadas vimos a desvendar os segredos das leveduras. No entanto, ainda estamos a tentar compreender como é que as leveduras comerciais, fruto do conhecimento em biotecnologia que hoje temos, interagem com as leveduras indígenas, aquelas que chegam não controladas a partir do ecossistema. Afinal, a vinha é uma forma de ecossistema produtivo, aberto à interacção com o meio envolvente. Assim sendo, até que ponto é que os ‘temperos’ provenientes do solo e vegetação naturais se estão a fundir com as características intrínsecas de cada casta, para dar micro combinações improváveis que irão determinar o tal ‘encanto’ do terroir?

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De Reguengos a Covelinhas, o segredo está à vista
A agricultura biológica, ou as variações ecológicas dos modos de produção, contribuem para o equilíbrio e riqueza dos micro-organismos do solo e do ecossistema, aumentando a resiliência das redes subterrâneas de raízes, micélios e colónias de bactérias, algas e insectos, entre outros organismos menos conhecidos. Aquilo ali é uma selva. Luta-se pela sobrevivência e, ao haver uma selecção natural dos organismos que mais contribuem para a estabilidade ambiental, criam-se alianças muito particulares entre solos, microclimas e biodiversidade.

Na Herdade do Esporão, há muitos anos que se vem a desenvolver um trabalho de fundo no estudo do solo e da biodiversidade: refizemos blocos de vinhas para recuperar linhas de água originais, instalámos milhares de plantas arbustivas e de árvores, para aumentar a resiliência do ecossistema produtivo e providenciar um aumento da biodiversidade benéfica e com valor de conservação, dialogámos e aprendemos com os nossos colaboradores e consultores para desenvolver as melhores práticas de gestão sustentável da vinha e do olival. Hoje, estamos a colher os frutos – literalmente – do nosso investimento, com vinhos e azeites que nos deixam extremamente entusiasmados com a aposta nesta visão de futuro.

Na Quinta dos Murças estamos ainda numa fase mais precoce de desenvolvimento desta visão. Afinal de contas, só cá chegámos em 2008 e temos um novo enólogo que traz ideias frescas e perguntas pertinentes que precisam de resposta. O terreno em Murças é curioso. Em termos de rochas e minerais há alguns elementos surpreendentes que ainda estamos a estudar e que formam solos de onde estão a sair lotes de vinho bastante complexos e com aromas interessantes. Também a biodiversidade circundante, com dezenas de espécies de cogumelos e os bosquetes de sobreiral e azinhal com bastante incidência de medronheiros, estevas e muitas outras espécies de plantas anuais e arbustos, traz notas muito particulares a estes vinhos. Os micro-organismos dos solos, os habitats ricos, com influências simultaneamente mediterrânicas e atlânticas, e a gestão cuidada das vinhas novas e antigas estão, sem dúvida, na origem dos terroir que se sentem no laboratório e, mais tarde, na garrafa que irá abrir e apreciar.
Será Magia?
Eça de Queiroz terá dito: “É o coração que faz o carácter.”

Talvez seja esta a melhor resposta. O terroir pode ser de facto a expressão final da combinação de diversas variáveis. Variáveis como pormos o nosso coração no que fazemos, o amor pela terra e o respeito pelos ciclos da Natureza, a sede de conhecimento que nos leva mais longe, a dedicação às plantas e aos seus frutos e a determinação em oferecer o melhor em cada garrafa que produzimos. São estas as variáveis que ajudam a definir o carácter do nosso.