As mãos que moldam a olaria em São Pedro do Corval

As mãos que moldam a olaria em São Pedro do Corval

Em tempos, em São Pedro do Corval eram raras as portas que não abriam para uma olaria. Terra rica em barro, muitas famílias viviam desta matéria-prima e do que dela criavam.

Com o passar dos anos o cenário foi-se modificando. As gerações mais novas deixaram de acompanhar as tradições dos mais velhos e as olarias começaram a desaparecer, assim como os grandes mestres do barro.

Apesar deste aparente “desapego” à valorização desta arte, ainda hoje existe quem a mantenha viva e dê um novo fôlego à história que tanto caracteriza a região. A história de Egídio é exemplo disso mesmo. Um caminho feito com muito trabalho e que traz nova esperança.

Basta entrar na sua olaria para se perceber o respeito com que este jovem oleiro trabalha. Nascido e criado numa família de oleiros, em São Pedro do Corval, faz parte já da 5ª geração a dedicar-se ao barro.

Cresceu na olaria dos seus avós e, mais tarde, na dos seus pais. Todos os seus tempos-livres eram passados a observar os movimentos da roda e a ver cada peça nascer. Cedo soube que era isto que também queria fazer. Sempre se interessou pela arte que corria na família. Tinha muita curiosidade em fazer e aprender e, por isso, não demorou muito a fazer sozinho as suas primeiras peças. Era um bom observador e o talento ajudou a que se tornasse num verdadeiro oleiro à antiga.

Há 11 anos abriu a sua própria olaria, ao lado da Casa do Barro. Um espaço único que por si só merece visita. Gere o negócio com a ajuda da sua mulher mas é sozinho que transforma, cria e vende as suas obras. O silêncio e sossego que sente enquanto está a fazer uma peça, é das coisas que mais gosta neste ofício.

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«Gosto muito de estar concentrado só nisto. O silêncio e a calma que me traz. Já foi um trabalho mais solitário. Hoje recebo muitas visitas de clientes e sou muitas vezes interrompido para mostrar as peças que tenho disponíveis.»
Para si só existem dois problemas nesta profissão: o Inverno e a falta de tempo.

«Os Invernos são muito rigorosos no Alentejo e o facto de estar sempre a mexer na água faz com que passe ainda mais frio. Além de atrasar a secagem das peças. E depois é o tempo que passo aqui. Esqueço-me das horas e muitas vezes vou para casa à meia-noite. E ainda assim precisava que o dia fosse maior para ter tempo para fazer mais peças e pensar em ideias novas.»

Apesar de apreciar o sossego, recorda com saudade a época em que a aldeia tinha outra vida.  

«Na maior parte das aldeias do Alentejo, as pessoas foram para fora, mas em São Pedro até se foram mantendo, muito por causa das olarias e das vinhas. Havia sempre trabalho e muito movimento. Chegaram a existir cerca de 60 olarias e mais de metade da população trabalhava na área. E depois não eram só os oleiros, eram também pessoas para enfornarO meu pai chegou a ter 27 pessoas a trabalhar com ele.

Com o passar dos anos e tendo em conta o contexto de crise que o país viveu, foram reduzindo as pessoas que trabalhavam nas olarias e os mais novos deixaram de se interessar em aprender  esta arte. E por isso, há cada vez menos gente a fazer. E muitos dos que fazem já não o fazem de forma natural. É tudo mecânico e mais industrial.»

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Em São Pedro do Corval hoje existem apenas quatro ou cinco pessoas a trabalhar com a roda. Com a evolução das máquinas começou-se a fazer peças com moldes de gesso e máquinas de loiça. Apesar de hoje já utilizar uma roda eléctrica, Egídio ainda aprendeu a trabalhar com uma roda de dar ao pé. Para si continua a ser a forma mais tradicional de moldar o barro.

«Com a roda pode-se ser mais criativo e não existem peças iguais. Existe espaço para o erro que, muitas vezes, faz com que as peças sejam únicas. É-se mais artista pelo trabalho que se tem com o barro. Com os moldes é só replicar, é muito mecânico, quase científico.»

Por dia chega a fazer centenas de peças que vão desde copos, a pratos e jarros. Desde os tempos em que era essencial para utilização no dia-a-dia até hoje, houve uma grande evolução no aproveitamento desta matéria-prima. O barro ganhou espaço no mundo da decoração e a partir daqui nasceu um novo mundo.

«Pode-se fazer mil e uma coisas com barro. Muitas vezes não tenho é tempo para dar asas à minha criatividade. Mas cada vez mais tento fazer coisas diferentes e inovadoras que acrescentem algo à arte. Quando tenho um intervalo nas encomendas faço sempre algo novo, e saber que existe ainda tanto por criar deixa-me entusiasmado com o meu trabalho.»

Mantendo a mesma paixão e curiosidade no que faz e com dois filhos já crescidos, não esconde o gosto que teria se um deles agarrasse o seu projecto e se juntasse a ele nas muitas horas que passa a criar na roda.