Uma das descrições de paisagens sonoras mais comuns do Barrocal Algarvio é o som das mós dos moinhos de mão. Dizem que se chegava a uma aldeia e era possível ouvir os moinhos todos ao mesmo tempo e que era um som incrível. A verdade é que quase toda a gente tinha um desses moinhos em casa, o que demonstra a importância do milho e das papas para os Algarvios e, contrariamente ao que se possa pensar, não eram apenas as classes mais baixas que os utilizavam para fazer as famosas papas, mais tarde conhecidas por xarém, mas também as mais ricas. O milho era bastante comum no Algarve e bem mais fácil de encontrar do que noutros sítios, por uma razão que deita abaixo muitos mitos.

No início do século XVII explode na Europa uma doença grave conhecida por Pelagra que dizimou muita gente na Europa. Durante centenas de anos a pelagra esteve relacionada com o consumo de milho – nos EUA ela aparece ao mesmo tempo que o cereal e torna-se epidémica. Muito mais tarde vem-se a perceber que afinal a Pelagra era o resultado da ausência de niacina, uma das vitaminas do complexo B. Ora, porque é que os Índios da América Latina nunca tiveram problemas com a doença? O milho possui quantidades razoáveis de niacitina, uma forma de niacina não assimilável pelo corpo humano, conjugada com açúcares e proteínas. Um tratamento alcalino do milho é capaz de remover esses açúcares e proteínas ligados à niacina. Os Índios ferviam ou ferventavam o milho numa mistura de água e cinzas – a cinza em água forma uma solução alcalina que é capaz de converter a niacitina em niacina, criando um processo chamado de nixtamalização.

O milho veio para a Europa mas a nixtamalização não chegou cá da mesma forma. Acontece que no Algarve chegou e desde há muito tempo que se ferventam os milhos para lhes tirar os olhos. Assim, enquanto a pelagra dizimava em muitos continentes, o Algarve produzia e consumia bastante milho. Esse processo primitivo permitia que o alimento produzisse a vitamina e, por isso mesmo, era muito mais fácil encontrar milho no Algarve que em muitos lugares da América, resistindo à nixtamalização que consideravam um processo primitivo e de “bárbaros”.