José Vila: uma lição sobre gastronomia e a vida

José Vila: uma lição sobre gastronomia e a vida

No Algarve, perto de Portimão, existe uma pequena terra chamada Mexilhoeira Grande, repleta de casas baixas, tipicamente algarvias, caiadas em tons de branco e azul, a combinar com o céu. Numa das muitas habitações antigas que por lá se vêem, encontra-se a Adega Vila Lisa. Sem indicações à porta, nem toldos chamativos, as janelinhas pintadas de amarelo diferenciavam-se de tudo o resto e confirmavam que não estávamos perdidos – era mesmo ali.

Lá dentro, sentado no topo de uma das mesas de madeira corridas, esperava-nos José Vila, um dos proprietários do restaurante. Ao som de Cante Alentejano, que tocava no pequeno rádio, fomos recebidos como amigos de longa data. A presença física de Vila – a fazer lembrar o escritor Ernest Hemingway ou um pescador de alto mar, solitário, com um olhar triste -, transmitiu-nos confiança, conforto. As paredes forradas com obras suas, o fumo dos seus charutos, e todo o cenário à nossa volta, encaminhou-nos para um universo muito pessoal do artista.

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Algarvio, José Vila apaixonou-se pela região em cada aventura de criança e à mesa, em casa da sua avó. Chamavam-lhe Zé Bandido – mas de bandido acha-se pouco – pelos sarilhos em que se metia. Sempre descalço e na rua, à procura dos encantos da vida. Gostava de ser livre, activo, mas sem excessos. Para si, a vida deve ser vivida de forma intensa e foi na sua infância e adolescência tão completa que descobriu como ser feliz.

A pintura também vem lá de trás – ainda hoje guarda as primeiras telas que fez com nove anos. Assim como a paixão pela gastronomia que foi ganhando sentido, ainda em pequeno, quando a sua avó o convidava para ir lá a casa comer. Recorda-se das refeições ao colo do avô e, mais tarde, em cima de caixas de figos. Na altura havia, e ainda hoje há, muitos figos no Algarve, e as pessoas, por necessidade, comiam muito este fruto.

“As pessoas comiam figo de todas as formas. Ao lanche comiam torrado com pão, era uma questão de alimento. Assim como a sardinha assada.”
Nos muitos sítios onde viveu – Mexilhoeira, Castro Marim, Vila Real de Santo António, Faro, Fuseta, Olhão -,  nas horas das refeições e nos seus passeios pelas ruas, foi ganhando amizade e respeito pelos mais velhos, e pelo que estes tinham para lhe ensinar. Apaixonou-se pela comida algarvia ou pela “cozinha de carência”, como diz. Contou-nos que as pessoas é que inventavam a cozinha dentro das suas necessidades e isso encantou-o. A simplicidade, o que a terra e o mar ofereciam. Para si, a sua terra é o Algarve da Terra e do Mar. E foi a partir daqui que deu o nome de Coisas da Terra e do Mar ao livro de gastronomia algarvia que escreveu mais tarde.

O restaurante surge desta paixão e do convite de Lisa para integrar o projecto. O regresso à região onde nasceu, Mexilhoeira Grande, também era inevitável e, por isso, aceitou. Quando teve de preparar um menu fez uma recolha pelo Algarve, recuperou receitas que estavam fora de moda, e foi buscar os sabores da sua infância, ainda tão viva em si.

“À mesa ninguém envelhece”