A gastronomia tradicional portuguesa que vive no centro do Porto

A gastronomia tradicional portuguesa que vive no centro do Porto

Enquanto os turistas se deliciam com as francesinhas no centro da cidade, na Rua do Ouro, junto ao rio, comem-se tripas à moda do Porto, rojões, panados, iscas e pastelões de sardinha.

Na Adega Rio Douro, ou melhor, na Adega da Piedade, ainda são os locais que ocupam as mesas e ficam para ouvir o fado vadio. Esta tasca com mais de trinta anos de vida é famosa pelos seus petiscos e pela sua carismática proprietária, a Dona Piedade. Com ar castiço e língua afiada, recebe todos os clientes como se fossem seus amigos, mesmo que isso implique aquela parte da amizade em que se dizem coisas feias uns aos outros. Se ela as tiver de dizer, não se deixa ficar, afinal de contas estamos em sua casa, e é ela quem dita as regras.

O espaço é pequeno mas grande em história e substância. Forrado com memórias e fotografias que contam uma história que vive além da gastronomia. Às terças-feiras há fado vadio. O enorme retrato de Amália na parede junto ao balcão denuncia a devoção e o local onde os artistas normalmente se posicionam. Muitas vezes, é Dona Piedade a fadista do dia. A sua paixão pelo fado, pelas suas raízes e pela sua terra, lêem-se em cada verso.

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Adega Rio Douro
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Dona Piedade
Visitámos a Adega Rio Douro numa Segunda-feira ao almoço e, por isso, não havia nem tripas, nem fado, mas não saímos de lá sem provar alguns petiscos como as pataniscas e a massinha de carne. À mesa juntou-se a nós a fadista Patrícia Costa e os músicos Pedro Martins e João Moutinho que, no final, nos presentearam com o fado “Vai que Vai” de Pedro Martins. Se já não vínhamos de mãos a abanar, assim, a visita valeu ainda mais a pena.
Fadista Patrícia Costa e os músicos Pedro Martins e João Moutinho a actuar
Umas ruas mais adiante, fica a Casa da Inês, o restaurante de Inês Diniz. Um lugar onde se come comida tradicional portuguesa sem modas nem manias. É a chamada comida de conforto, aquela que nos transporta para a casa dos nossos avós e nos devolve memórias esquecidas.

Por acaso mas não sem querer, Inês seguiu os passos dos seus pais, conhecidos e admirados cozinheiros do Porto. Toda a vida, viveu no andar de cima do restaurante e eram mais as horas que passava na cozinha do que em casa. Talvez por isso, tenha tentado alterar o seu caminho, fugindo da cozinha. Não demorou a regressar, estava-lhe (e está-lhe) no sangue.

Dona de uma cultura e sabedoria gastronómica invejável, foi a curiosidade, experiência e talento que a trouxeram onde está hoje. Não se deixou ir pelo balanço e “herança” dos pais e criou o seu próprio caminho.

Assumindo a sua identidade e nome, abriu o seu espaço com a ajuda do seu marido Germano Dinis que, além de gerir a sala, receber os clientes e escolher os vinhos, segundo Inês, também cozinha muito bem.

«O Germano tem um palato muito bem trabalhado e isso ajuda bastante na cozinha. Muitas vezes é ele que toma as decisões finais em relação aos temperos e há pratos que ele confecciona de forma especial».
Se na Adega da Dona Piedade não havia tripas, na Casa Inês, eram o destaque na ementa do nosso almoço. Uma receita que Inês conhece bem desde criança e que recorda com diferentes sentimentos.

«Quando era pequena não gostava de tripas e obrigavam-me a comer.  Naquela altura cheiravam mesmo mal e havia quem as lavasse com lixívia para tirar toda a porcaria. Mas foi um prato que me acompanhou sempre, sendo portuense, tem a ver com a nossa história, com a fome e as necessidades de um povo».

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Além das famosas tripas, Inês é conhecida pela sua aletria – a melhor que já provámos.

Sentada à mesa connosco, é inspirador ouvi-la falar sobre gastronomia, ouvir as suas histórias e perceber a sua inquietação com o futuro da cozinha portuguesa.

«Tenho muitos clientes estrangeiros e isso é óptimo. O que me preocupa são os outros cozinheiros que começam a deixar de oferecer uma cozinha portuguesa autêntica. Cada vez mais é tudo feito à imagem do que os turistas querem e vai-se perdendo a verdade nas coisas. São poucos os que se mantêm fiéis à sua identidade. As pessoas vêm aqui para comer umas tripas à moda do Porto, um verdadeiro cozido, sabores reais que carregam história e é isso que tenho para lhes servir».
É também isso que procuramos e vamos encontrando em cada episódio do Esporão & A Comida Portuguesa a Gostar Dela Própria e em cada viagem por este país. A Inês e a Dona Piedade são dois exemplos que merecem ser conhecidos e visitados. Havemos de voltar.