Neste episódio de A Comida Portuguesa a Gostar Dela Própria visitamos a Aldeia de Sete, quartel-general do instrumentista e cantautor Pedro Mestre, o guardião-mor da viola campaniça. Vamos cozinhar túberas, fungos de clima mediterrânico (Terfezia spp.) que medram no subsolo em quase toda a faixa interior do território continental português. Para desfazer equívocos vamos começar por afirmar, sublinhando de forma peremptória, que não existem trufas em Portugal. O parentesco genérico e semelhança morfológica entre as túberas e algumas trufas do género Tuber prestam-se a variadas especulações, e a vontade, geralmente bem intencionada, de valorizar “o que é nosso”, que alimentam mitos e confusões. A verdade é que, apesar da grande variedade geológica e dos inúmeros micro-climas existentes, não se reúnem em parte alguma do nosso território condições propícias à ocorrência espontânea de trufas (solos de ph elevado a cotas em que cresçam árvores tais como os carvalhos, os castanheiros ou as aveleiras, cujos sistemas radiculares actuam como hospedeiros que permitem a micorrização simbiótica das hifas das trufas). Assunto encerrado. Ora voltando às túberas, estes fungos subterrâneos, cujas espécies mais comuns em Portugal são a Terfezia arenaria e a Terfezia leptoderma, são muito apreciados pelas populações rurais das zonas em que ocorrem sendo consumidas tanto cruas como cozinhadas. Segundo a região e o contexto cultural assim são baptizadas: Alegria da Santa Luzia, Batata da Terra, Criadilha, Maravilha, Regota, Reigota, Reinota, Renota, Atúbra, Túbara e Túbera. É ainda interessante realçar que quando as batatas surgiram na Península Ibérica no primeiro quartel do século XVI, terão sido associadas às “criadillas a que moito se assomolham”.

As “atúbras” que encontrámos na Aldeia de Sete, apanhadas pelo Jacinto Fatana e pelo Sr. Isidro, seguindo um “preceito” secreto passado de geração em geração e que passa pela habilidade em detectar, no meio do mato, a presença de uma certa planta, a utilização de um sacho e a ajuda ocasional de um canito ou dois com mais jeito, são da espécie Terfezia leptoderma, de aspecto exterior mais anguloso por medrarem num solo mais pedregoso, apresentando um interior mais escuro e raiado do que as Terfezias arenaria, maiores e mais redondas, provenientes de solos mais arenosos. A qualidade dos ovos caseiros trazidos pelo sr. Inácio inspiraram-me para fazer umas “Túberas de Molho Amarelo”, uma receita base das casas abastadas alentejanas reminiscente dos “fricassés”. Bom proveito!

Chef André Magalhães