A verdade do azeite

A verdade do azeite

Os portugueses gostam de provar novos vinhos, sem qualquer medo de experimentar castas, regiões e produtores que desconhecem. Mas por alguma razão são muito conservadores quando se trata de azeite. Há inúmeras ideias preconcebidas e erradas sobre azeites, e queremos ajudar a deitá-las por terra.
Acidez
Muitas pessoas dizem que quanto menor a acidez, melhor o azeite. Não é bem assim. Se perguntar à Ana Carrilho, oleóloga, ela dir-lhe-á sem rodeios que a acidez não se saboreia. No azeite, a percentagem de ácido oleico é uma baliza para distinguir as três categorias de azeite. Os azeites virgem extra estão entre os 0,1 e 0,8% por 100gr. Entre os 0,8% e 2% encontramos os azeites virgem. A partir de 2% o azeite não poderá ser consumido e terá que ser refinado.  Esses azeites são preferíveis para queimar em lamparinas e não para consumir, daí chamarem-se também de lampantes. A acidez depende do estado fitossanitário das azeitonas, enquanto que o sabor e o cheiro do azeite dependem de compostos menores como vitaminas e antioxidantes. É possível encontrar um azeite de 0,5% que seja melhor do que um com 0,1% – a qualidade também depende dos aromas, da harmonia e da persistência na boca, tal e qual, como num vinho.
Cor
A ideia generalizada diz que a cor do azeite é fundamental na escolha. Mas não. Os azeites de tons dourados são provenientes de azeitonas mais maduras, e os azeites mais verdes são produzidos com azeitonas mais verdes. A cor está relacionada com a variedade e grau de maturação da azeitona e não com a sua qualidade. As embalagens mais escuras ou opacas, apesar de “esconderem” a cor, são as ideais para proteger o líquido no interior. Não é por acaso que a típica almotolia de azeite é em aço inox, preferível aos galheteiros em vidro transparente. O Conselho Oleícola Internacional definiu que as provas de degustação de azeite devem ser feitas em copos regulamentados de vidro azul cobalto, não por protecção da luz, mas para que o provador não seja previamente influenciado pela cor do azeite.
Tempo
Diz-se que o azeite é como o vinho do Porto, melhora com o tempo. Errado, outra vez. O azeite é uma gordura que, em contacto com o ar, o calor e a luz, oxida e pode tornar-se rançoso. A partir do momento em que é extraído, o azeite inicia processos de deterioração, logo não deverá ser armazenado durante muito tempo. Em casa, em garrafa fechada, poderá guardar o azeite longe da luz e do calor, entre 18 a 24 meses, desde o momento em que é extraído. Trata-se do sumo da azeitona e só dura mais tempo do que o sumo de laranja porque tem muitos antioxidantes.
Calor
O azeite pode ser exposto a altas temperaturas? Pode e comporta-se melhor do que outras gorduras alimentares. As gorduras usadas em frituras sofrem alterações que reduzem o nível nutritivo e se degradam podendo ter efeitos na saúde humana. É importante saber como os diversos óleos alimentares se comportam. Com os óleos monoinsaturados (como o azeite) as temperaturas a partir das quais os processos de degradação se desencadeiam são superiores à temperatura de fritura (cerca de 180ºC). Observe as seguintes temperaturas de degradação, indicadas pela ASAE: Óleo de Amendoim – 220º, Azeite – 210º, Banha de Porco – 180º, Óleo de Girassol – 170º, Óleo de Soja – 170º, Margarina – 150º, Manteiga – 110º. Todo o azeite pode ser usado para cozinhar, mas aquele azeite virgem extra caro que lhe ofereceram no seu aniversário merece um destino onde possa revelar toda a sua verdade, nua e crua. Brilharia muito mais a temperar uma sopa ou uma sobremesa do que a fritar batatas.
Salgado
Falando em temperar sobremesas, certos narizes torcem-se perante esta ideia. “O azeite é só para pratos salgados” dizem eles, os pobres narizes que estão a perder um universo de experiências gastronómicas. Dentro da ampla gama de azeites hoje disponível no mercado, deverá eleger o azeite em função da sua utilização culinária e, claro, do gosto pessoal. Um exemplo que nos está muito próximo é o azeite da Quinta dos Murças (disponível na loja do Enoturismo da Quinta e na da Herdade do Esporão), com características organolépticas suaves, ideal para usar numa entrada ou harmonizar uma mousse de chocolate amargo.
Em suma, o azeite não é todo igual e a acidez não deve ser o factor preponderante para a escolha. Entre os azeites virgem extra e virgem pode dar asas à sua degustação, tal como faz com os vinhos. Se o seu fio de azeite vai regar um prato de caça arrisque num azeite intenso para estar de igual para igual com a carne. Se vai regar um peixe assado aconselha-se um azeite suave e mais doce, que não se sobreponha ao pescado. Se está perante uma salada ou um queijo, porque não usar um azeite picante?

Uma boa forma de apimentar as suas ideias sobre azeites é fazer uma viagem gustativa pelas seis regiões de Denominação de Origem Protegida de azeite do nosso país (Azeites de Trás-os-Montes, Azeites da Beira Interior, Azeites do Ribatejo, Azeites do Norte Alentejano, Azeites de Moura e Azeites do Alentejo Interior).

Outra sugestão para conhecer novos territórios oleicos é explorar os aromas e sabores das diferentes azeitonas. A variedade mais comum em Portugal é a Galega, muito presente no sul e nas Beiras, que resulta num azeite doce, suave, com sabor de frutos verdes e notas amendoadas. As Cobrançosa Madural e Verdeal encontram-se mais nos azeites de Trás-os-Montes, dando origem a azeites intensos e picantes. Existem azeites monovarietais (uma só variedade de azeitonas) e azeites de lote (blend de diferentes variedades), sendo que os primeiros são preferíveis para treinar o palato de quem se está a aventurar no admirável mundo dos azeites.

Experimente, sem ideias pré-concebidas, este é o melhor conselho para que a verdade venha ao de cima, tal como o azeite.